segunda-feira, 18 de maio de 2009

A "Lição" do Mestre

Oliveiros Guanais

Em 1960 havia uma greve na Bahia: estudantes x Reitor Edgard Santos. Este era um reitor realmente magnífico, mas nós precisávamos de um adversário para os ideais da nossa juventude. E como todo ser humano tem seus pontos vulneráveis, era nesses que atacávamos o reitor. Mas este não será o alvo deste relato, e sim o vice-reitor, que tinha grande influência nos meios universitário e intelectual da Bahia, pois tratava-se de Orlando Gomes, jurista de relevo reconhecido como tal nos meios acadêmicos do país.
Tínhamos que atingir também Orlando Gomes, pois ele era peça importante da instituição universitária.
Circulava no Rio de Janeiro, aos domingos, junto ao Correio da Manhã, um Tablóide estudantil com o nome de “O Metropolitano”. Era lido no Brasil inteiro por determinada categoria de interessados, e, ademais, era um jornal muito bem feito.
Ocorreu-nos, então, entrar em contacto com o colega Alfeu Meireles, que era presidente da União Metropolitana dos Estudantes, a que “O Metropolitano” era subordinado, e pedir uma força para o nosso movimento. Alfeu atendeu-nos prontamente e para cá deslocou-se um dos melhores jornalista da equipe, de prenome Romão. Romão foi recebido por nós com todas as mesuras, dei a ele minha cama na Residência do Universitário e lá também ele fazia refeições. Ficou uns quatro dias na Bahia, tempo suficiente para que ouvisse todas as fofocas que nos interessavam, relatos de situações que apenas nos eram reveladas sem provas, e lá ia Romão tomando notas.
Entre as informações de irregularidades graves perpetradas pelos dirigentes da Reitoria constava o fato de que o Vice-Reitor, Orlando Gomes, como diretor do Banco Mercantil Sergipense, depositava lá recursos da Universidade, contrariando dispositivo legal.
Romão retornou ao Rio, a cobertura da greve da Bahia foi excelente, ficamos muito satisfeitos. E o tempo passou.
Um belo dia, fui procurado por Alfeu que me deu a triste notícia de que Romão estava sendo processado por Orlando Gomes por crime de injúria , calúnia e difamação, e que o feito corria no foro do Rio de Janeiro. Ficamos perplexos. Pobre Romão. Que fazer? Procurar um advogado para defendê-lo. E a escolha recaiu sobre Romeiro Neto, famoso criminalista que ganhou imensa notoriedade no chamado crime do Sacopã, coisa ocorrida uns dez anos antes. Fomos então ao escritório do grande Romeiro Neto. A comitiva era Alfeu, Romão e eu.
O escritório do temível advogado ficava no segundo andar de um prédio velho na Cinelândia, e lá chegamos subindo escadas, pois não havia elevador.
Expusemos detalhadamente a situação, ele fez perguntas, em suma, houve as formalidades costumeiras. Ao final, nós já não tínhamos mais nada para dizer, e um longo e desconfortável silêncio tomou conta do ambiente. Alfeu era o mais pragmático de todos e foi ele quem deu prosseguimento à conversa. – “Mais alguma coisa doutor”? E a resposta foi incisiva e fulminante. – “Sim. Não tratamos ainda de um aspecto importante do acerto”. Pequena pausa e Alfeu continuou: - “É dinheiro, doutor”? O mestre respondeu com segurança: -“Não, não é dinheiro não. Mas não se acerta uma relação de trabalho sem deixar claro o valor a ser pago por ele. Vocês são jovens e precisam aprender que o trabalho deve ser remunerado e o acerto deve ser feito no momento em que se faz o trato”. Alfeu de novo: -“E quanto é, doutor”? –“A questão não é essa, vocês vêem o que podem pagar”. Cochichamos entre nós e Alfeu falou por todos: “cinco mil dinheiros, pode ser”? – “Eu não estou negociando valor, quero apenas que vocês aprendam uma lição”.
Finalizamos.
Descemos as escada danados da vida com aquele mercenário que só sabia trabalhar por dinheiro, como se ele tivesse obrigação de fazer generosidade com um grupo de estudantes que representavam grandes entidades.
Meses depois a causa foi julgada e Romeu condenado. Mas Orlando concedeu-lhe o perdão, alegando que também tinha filhos jovens e entendia as audácias da juventude.

Salvador, 07 de julho de 2006.

2 comentários:

  1. Tio,

    As notícias correm, assim como no interresante relato que acabo de ler. Fiquei sabendo do seu blog...tão bem escondido...e qual não foi minha alegria ao perceber, aqui mesmo entre estas linhas, que além de reconhecido médico, entendedor profundo das leis e das letras, também ariscou a labuta de assessor de imprensa.(risos) A causa era nobre, valeu a pena... beijos
    Rose

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  2. desculpe-me os erres engolidos ou cuspidos (risos) o teclado está com defeito e não revisei o texto final. beijos de novo Rose

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