terça-feira, 19 de maio de 2009

Protesto em Brasília

Oliveiros Guanais
A entidades médicas nacionais conseguiram uma audiência com o todo-poderoso presidente do senado, Antonio Carlos Magalhães, a ocorrer no dia da cassação do senador Luiz Estêvão. Todo poderoso até aquele dia, porque, exatamente naquela votação, ele cometeu o crime de grampear o sistema de votação secreta para conhecer a manifestação de cada votante. E isto lhe custou o mandato, por renúncia tática, para não ficar inelegível por dez anos. Reserva moral da nação! Antônio Carlos tinha na Bahia uma grande amizade com um médico, colega que participa do movimento associativo, pelas bandas da ABM. O senador fazia questão de dizer que esse era seu médico particular, para afastar outros tantos que desejavam serem médicos dele. E, por isso, recorria a ele por qualquer problema de saúde e, em contrapartida, fazia por ele coisas impossíveis, como aquela audiência naquele dia. Mas acertou e cumpriu. Nós saímos do Conselho Federal de Medicina em três ônibus ( era muita gente ) e rumamos para o Congresso Nacional. De longe, avistamos intenso movimento no gramado que fica em frente aos prédios onde trabalham ( ? ) senadores e deputados. Era manifestação de um movimento popular, com pessoas de todas as idades, mas com predominância de jovens, e muitas bandeiras vermelhas ondulavam sobre a grama verde. Havia seguranças por todos os lados: homens fortes, nervosos, armados, dando ordens e orientações. Nossos ônibus pararam a certa distância, antes da rampa, e fomos orientados a entrar por uma lateral, acesso mais apropriado ( levando-se em conta os que “trabalham’ naqueles prédios), mais apropriado para sair às escondidas que para entrar com segurança. Mas foi para lá que nos dirigimos. O grupo, visto pelos que estavam na retaguarda, constituía um espetáculo fúnebre ou sinistro. Havia muitas mulheres, essa todas com suas vestes femininas coloridas, mas os homens, quase todos de ternos escuros, faziam um cortejo de aves negras e sombrias, marchando a passos lentos no caminho secreto da entrada. Soldados nos acompanhavam sempre. Em dado momento, tivemos de ficar de novo expostos à vista da multidão de manifestantes, que, à distância, gritavam slogans. Os soldados, cada vez mais nervosos, orientavam-nos como fazem as cuidadoras de crianças em passeios de escola. E nós, obedientemente, indo para onde eles nos mandavam. Estávamos junto da piscina que fica em frente de uma daquelas cumbucas arquitetônicas, quando os manifestantes começaram a descer com suas bandeiras e suas ordens. Vinham, vinham descendo em direção ao lugar em que estávamos. Os soldados mandaram-nos ficar concentrados em um só lado, mas eles vinham decididos. A certa distância, pararam, mas a algazarra continuou. E depois de certo tempo, começou a haver conversas entre participantes dos dois lados. O entendimento fazia-se à margem dos soldados. Eu me aproximei de um grupo e passei a ouvir a conversa que se travava entre os seus participantes. A porta-voz mais ativa do grupo de manifestantes que ouvi era uma jovem tipo classe média, que deu logo a endenter que eles estavam acreditando sermos nós aliados de Luiz Estêvão, estando lá para levar apoio ao senador que seria cassado logo mais. Várias vozes do nosso lado desfizeram o engano: - nada disso; nós somos médicos e estamos aqui para lutar por nossos direitos; há gente de todos os partidos nesta caravana; há gente do PT, do PC do B e também de partidos de direita; mas o nosso objetivo é reivindicatório; somos também explorados. A moça ficou surpresa: - ah, nós pensamos que vocês fossem gente dele; eu sou dentista e sei como o pessoal de saúde é explorado. E, virando-se par os manifestantes que estavam mais à frente, disse em voz alta: -pessoal, não é nada do que estávamos pensando, eles são médicos e vieram também reivindicar interesses deles; vamos voltar. E, num lance pitoresco, eles deram-nos as costas e tomaram o caminho de volta, numa cena que me lembrou a pequena história chamada “O Túnel”, de Akira Kurosawa, no filme de fragmentos “Os Sonhos” ( Um tenente , recolhido por doença, não participa de uma batalha em que morrem todos os membros do seu batalhão. Recebe depois a visita dos seus mortos, que vêm em forma, marchando, e não obedecem aos seus argumentos de voltar para o descanso eterno. Até que ocorre ao tenente a idéia de agir como chefe militar, e, nessa condição, grita a voz de comando: - batalhão, sentido! - meia-volta, volver! - Marchem” E tudo acontece conforme suas ordens. ).
Para mim, aquele dia foi inesquecível; não só por esse episódio pitoresco, mas também porque um senador corrupto foi sacrificado, como boi de piranha, deixando a manada de iguais às margens em segurança, mas também porque o todo-poderoso dominador da Bahia foi vergonhosamente desmascarado numa delinqüência indecente, tendo que renunciar ao seu mandato. Como disse o senador poderoso num discurso feito para o último general do círculo da farda, citando um provérbio chinês: “toda caminhada começa pelo primeiro passo”. E aquele, que atingiu os dois, pode ter sido o primeiro passo para a limpeza da sujeira crônica da política brasileira.

Salvador, 12 de maio de 2009

Um comentário:

  1. Bravo! Dr. Oliveiros, realmente sabia e sempre soube que o Sr. nunca compactuou com esses governantes corruptos que sempre so pensaram neles e nao na populacao Baiana. Sempre foi um ditador, um dissimulado, e sei que o Sr. foi sempre uma pessoa, culta, justa e corret�ssima e que do Sr. so poderia esperar esse tipo de comentario, que e a mais pura verdade. Adorei seu blog, realmente e um presente para nos que somos eternamente seus alunos! Helena Antonovits

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