segunda-feira, 18 de maio de 2009

A Praça da Revolução


Oliveiros Guanais
Fui a Cuba em 1961 como invitado especial para as comemorações do 2º. aniversário da revolução. E o ato mais empolgante de todas as comemorações deu-se numa grande praça que já tinha ou veio a ter o nome de Praça da Revolução. Dominava essa praça um grande monumento em forma de obelisco, dedicado, salvo engano, a José Marti. A multidão era em torno de um milhão de pessoas, levadas de todos os recantos do país. Houve um desfile militar e logo depois o discurso de Fidel. Aqueles discursos de 6, 8 horas, acompanhados pela multidão excitada. Na condição de invitado especial, eu estava na arquibancada, perto do orador e das autoridades presentes. O tempo foi longo, deu para circular e conversar com as pessoas, dava pra ver o jogo de mímica de Fidel e o que aconteceu quando começou a chuviscar. Alguém veio de lá com um capote e jogou nos ombros de Fidel, mas o bravo revolucionário recusou com um gesto intempestivo. O cuidador do comandante insistiu e a recusa foi mais brusca ainda. Mas aí entrou a participação do povo, daquela imensa multidão que se acumulava na praça e começou a gritar: “que se cubra; que se cubra; que se cubra”...Fidel vacilou, a multidão gritava “que se cubra, que se cubra, que se cubra” e por fim ele aceitou a proteção da capa. Mas não perdeu o mote e disparou: - “en este momento en que nuestra pátria se encontra amenazada por el imperialismo yankee, que importan unas pocas gotas de lluvia”.. E foi aí que eu ouvi um grito agudo e alto de voz de mulher: “mas importante es usted, Fidel”, havendo aplausos dos que estavam perto e uma onda de gritos que foram se transformando em ovação. Eu trouxe relato desse episódio para a Bahia e por muito tempo um colega brincava comigo : “ Que se cubra, que se cubra”...

1990.Voltei a Cuba mas Cuba não era a mesma. Era uma cidade envelhecida, pobre, desprovida de recursos essenciais para a população, com suas mercearias desabastecidas. Fazia pena. E o pior era a notória descriminação da população local, que não podia circular por todos os lugares, não podia ter acesso às tiendas que vendiam produtos do mundo capitalista, a dollar, e não podia sequer ter acesso à praia de Varadero! (Quem diria, o tema das praias privativas para estrangeiros era um dos argumentos fortes do ideário da revolução e o mesmo estava acontecendo no regime com que tantos sonharam e pelo qual tantos morreram !).
Fizemos um city tour, o ônibus parou na Praça da Revolução. Eu olhei para tudo, já estivera ali em circunstâncias tão diversas e fiquei emocionado. Identifiquei o monumento a Marti, as arquibancadas das autoridades nas ocasiões festivas, só não vi o povo, só não vi Fidel, só não vi a mim próprio. Tive pena do meu passado e dos meus ideais. Mas me pus a falar: - eu já estive aqui, já estive nesta praça, eu presenciei lá de cima, perto de Fidel, as comemorações do 2º. aniversário da revolução, em 1º. de janeiro de 1961. Eu queria ser ouvido, queria que soubessem que eu já participara de um momento daquele lugar e consegui. Ao falar a data em que lá estive , o motorista do ônibus disse: -foi o desfile do “que se cubra”.
Naquele instante pareceu-me ouvir a voz de um fantasma:- como você sabe disso, perguntei. E ele respondeu: - eu era soldado e participava da marcha. Que coincidência, meu Deus, estou vivendo sonhos...

Em março de 2004 retornei a Cuba e encontrei outras diferenças. O aspecto físico de Havana continuava o mesmo ou talvez pior. A moeda do país, para estrangeiros, agora era o dollar. As coisas continuavam escassas e tudo era muito caro, mesmo livros sem valor, vendidos nas praças como se fossem preciosidades. E a dollar!
Pobre Cuba, de tudo aquilo que eu vi no passado só restava o orgulho do povo, voluntário,
obrigatório ou de conveniência.( Os cubanos continuam arrogantes, mas agora estão na contingência de gostar de dollars, o que faz sentido e se compreende).
Fomos à Praça da Revolução. O ônibus parou e o guia deu-nos 15 minutos. Eu tinha por companheiro um colega do Tocantins, de direita e com muito má vontade para com o país. Tiramos fotos da fachada de um edifício que tem a efígie de Che Guevara e eu convidei o colega para irmos à arquibancada das solenidades. Lá divisei o local onde vi Fidel falando ( uma muralha curta, de altura suficiente para servir de tribuna ) e parei, pedindo ao colega que tirasse fotos minhas gesticulando, mas uma senhora zeladora do lugar foi logo me avisando : “señor, no puede, no puede, señor”, Solimar, tira logo essa foto, Solimar “no puede señor”, si, si, vamos logo com essa porra, Solimar,” já me voy, señora”, rápido , Solimar, e a essa altura já estava no fim da bancada, sem saber se a foto fora tirada e se ficara boa. Mas, de qualquer forma, eu estive no Olimpo em que ainda fala o Deus das Américas, mesmo que para dizer a seu povo que eles continuam vivos.

Salvador, 05.02.06

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